Mais uma vez, Paris está cheia de compradores chineses para a nova temporada de compras. Se porventura você se encontrasse na fila do caixa em uma das lojas de departamento Printemps ou Lafayette você se perguntaria se não estaria na China. Não muito antes da recessão ter começado no Brasil, em Miami acontecia a mesma situação. Toneladas de brasileiros inundavam Miami a cada temporada de compras.
Como evoluiu o consumo das famílias?
Historicamente, em média os chineses não são grandes gastadores. A poupança interna bruta aumentou para cerca de 50% na última década. O aprofundamento das reformas econômicas traz mais oportunidades, e incertezas ao mesmo tempo. A geração jovem tem de enfrentar preços habitacionais exorbitantes e o aumento do custo de vida. Desde que a China transformou-se em uma economia de mercado, as gerações mais velhas não podem mais apreciar saúde ou pensão providas pelo Estado. Agora eles precisam economizar para suas próprias pensões e contas médicas. A motivação da poupança preventiva tem sido muito forte entre os vários grupos etários da China.
Em contraste, o brasileiro médio não economiza muito. A economia doméstica bruta permaneceu em torno de 20% nos últimos cinquenta anos, apesar das flutuações econômicas. Pode-se facilmente associar isso com a experiência de hiperinflação durante os anos 80. É improvável que as pessoas economizem após observar inflações na casa dos três dígitos. Mesmo nos últimos anos, a inflação manteve-se acima de 5% e, ocasionalmente, subiu para mais de 10%. A insuficiente presença de instituições financeiras e o analfabetismo prevalecente nas zonas rurais também podem explicar a falta de poupança. A família brasileira tem uma alta propensão ao consumo, semelhante aos membros da OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico).
No entanto, as tendências de consumo das famílias estão a tomar direções diferentes nos dois países. O consumo pessoal vem crescendo rapidamente na China. O consumo desempenha um papel cada vez mais importante em termos de impulsionar o crescimento econômico. Com o aumento da renda familiar, o crescimento nos últimos vinte anos começou a formar um pequeno grupo de elite e uma classe média relativamente grande. Os “novos ricos” exigem produtos de luxo e serviços customizados. Mais importante, a classe profissional jovem emergente está colocando mais ênfase na melhoria do padrão de vida. Eles estão dispostos a pagar por produtos de qualidade superior com preços superiores. A situação é bem diferente no Brasil, no qual houve um crescimento moderado do consumo desde 2003. No entanto, a recessão colocou em perigo a renda de muitos brasileiros, tanto o bem-estar como a classe trabalhadora. A taxa de desemprego quase dobrou nos últimos dois anos, atingindo 11,9% no final de 2016. Os trabalhadores não podem esperar um aumento no salário se não perderem seus empregos. O consumo está diminuindo no Brasil.


A dinâmica das despesas públicas
Não há nenhuma surpresa para o papel crítico desempenhado pelo Governo Chinês no processo de desenvolvimento. O crescimento econômico passado da China dependia fortemente do investimento e das exportações, sem um forte consumo interno. As elevadas poupanças no banco são transformadas em investimentos na economia real. O Congresso Nacional do Povo publica a meta do PIB a cada ano em torno de março, o que coloca pressão política para que a administração atinja os objetivos do PIB. Por exemplo, a estimativa do PIB para 2016 é de 6,5% -7%. O governo agiu como forte estabilizador para a economia. Particularmente durante a crise financeira de 2008, o governo conseguiu implementar um plano de estímulo fiscal, evitando uma enorme queda no consumo agregado. Nos últimos anos, o foco da política fiscal mudou para a construção de redes de segurança social e incentivos à inovação. O Governo espera induzir mudanças mais estruturais, substituindo o setor de exportação de mão-de-obra intensiva por mais consumo interno e indústrias de capital intensivo.


A despesa do governo brasileiro cresceu relativamente rápido no governo de Lula da Silva (2003 a 2010) e, posteriormente, Dilma Rousseff (2011 a agosto de 2016). Os altos preços das commodities impulsionaram as exportações e adicionaram receita adicional à conta do governo. O Partido dos Trabalhadores (PT) expandiu diversos programas de bem-estar social, incluindo o conhecido programa de transferência monetária condicional "Bolsa Família". Um grande número de pobres foi gradualmente incluído no setor formal de emprego. O aumento dos salários mínimos reforçou ainda mais o poder de compra dos trabalhadores. No entanto, a grande quantidade de gastos fiscais arrastou o governo para a área de déficits depois que os preços da energia caíram. Juntamente com os escândalos de corrupção, o governo do PT foi substituído pela liderança de Michel Temer. A nova administração aprovou a emenda constitucional para congelar os gastos fiscais reais por vinte anos, com a esperança de tranquilizar os investidores estrangeiros. Este limite de gastos limitará definitivamente o funcionamento dos serviços públicos, especialmente na saúde pública e na educação. No curto prazo, o consumo das famílias sofrerá com o programa de austeridade, embora o efeito seja mais proeminente sobre os pobres. No longo prazo, é difícil argumentar em que medida a disciplina fiscal ajudará a reiniciar a economia e trazê-la de volta ao crescimento.
Sobre o autor: Niu Yuanhao é um Economista Chinês, o qual é bacharel em Finanças pela BLCU (Beijing Language and Culture University), com mestrado em Políticas Econômicas com foco em Desenvolvimento Econômico pela Universidade de Illinois nos EUA, e atualmente é um doutorando em Economia pela Universidade de Notre Dame nos EUA. Niu teve a oportunidade de estudar um semestre de Economia no Brasil na Universidade de São Paulo (Faculdade de Economia e Administração FEA) em 2016.
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Janaína Guimarães - [email protected]
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